Numa demonstração de extremo desrespeita pelas instituições e de que não está disposto a respeitar os limites que a harmonia entre os poderes estabelece ao chefe do Executivo, o presidente Jair Bolsonaro divulgou nas redes sociais um texto anônimo que considera a possibilidade de uma ruptura do regime democrático. O texto compartilhado por Bolsonaro afirma que não é possível respeitar as instituições democráticas, particularmente o Parlamento, que estariam dominadas por corporações que desejam apenas a prevalência de seus interesses e, com isso, impedem o presidente de governador o país.
Bolsonaro expõe, mais uma, seu pendor autoritário que cultivou ao longo de sua trajetória política. Não é demais lembrar que, como parlamentar, sempre exaltou a ditadura militar instalada pelo golpe de 1964; idolatrou torturadores e defendeu medidas truculentas contra os que dele divergiam. Na reta final da campanha eleitoral de 2018, anunciou que, uma vez eleito, iria banir do país a esquerda política, perseguiria os organizações do movimento popular e anunciou que se opoente na disputa presidencial, Fernando Haddad, iria “mofar na cadeia” junto com o ex-presidente Lula. Uma vez empossado na presidência, Bolsonaro reforçou a postura agressiva tanto com segmentos políticos como com o movimento social e acentuou suas relações com líderes da extrema-direita mundial e com governantes agressivos como Donald Trump, dos Estados Unidos, e Benjamin Netanyahu, de Israel.
Transcorridos mais de quatro meses de governo, Bolsonaro não resolveu nenhum dos graves problemas que afetam o país e outros até se agravaram. O mais grave deles, o desemprego, tem levado desespero a milhões de famílias. Segundo o IBGE, mais de 13 milhões de trabalhadores estão desempregados e, pelo menos, outros 15 milhões estão subempregados ou já nem procuram mais trabalho, estão no chamado desalento. Some-se a isso, milhões de trabalhadores que se encontram no mercado informal, sem direito aos benefícios que a lei trabalhista poderia lhes assegurar. Esse é o resultado da reforma trabalhista aprovada durante o governo Temer e que contou com o voto do então deputado Jair Bolsonaro. Face sua incapacidade de combater o desemprego, o presidente da República acusa o IBGE de distorcer os números do mercado de trabalho.
A situação vivida por milhões de trabalhadores é resultado da completa ausência de uma política econômica capaz de debelar a grave crise que afeta diversos setores da economia, em especial a indústria, e que tem provocado seguidas previsões negativas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB). Há segmentos, como a indústria da construção civil, que já consideram 2019 como “ano perdido” antes mesmo de completar cinco meses. O desalento que atinge os trabalhadores, também vai atingindo, ao seu modo, os empresários do setor produtivo e a confiança na retomada do desenvolvimento econômico vai caindo acentuadamente.
O reflexo do descontentamento com o governo de Jair Bolsonaro se expressa nas pesquisas de opinião divulgadas já nos primeiros meses após sua posse. Na primeira pesquisa, Bolsonaro despencou 15% na aprovação da população e chegou aos 100 dias com a pior aprovação que um presidente da República já teve em seu primeiro governo.
Sem conseguir construir uma base parlamentar que lhe dê sustentação, em boa parte por ter como base de seu discurso justamente a tentativa de desqualificar a política, Bolsonaro tem sofrido seguidas derrotas no Congresso Nacional e não consegue fazer avançar seu projeto de reforma da previdência, proposta apresentada, enganosamente, como única capaz de fazer o país sair da crise e retomar o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os parlamentares tomam medidas para proteger políticas públicas das ameaças de corte, como o que está sendo feito na educação, e para restringir os poderes do presidente, como a aprovação do orçamento impositivo.
Na quarta-feira (15), a insatisfação contra Bolsonaro foi às ruas. Cerca de um milhão e meio de estudantes, professores, trabalhadores da educação, pais e mães foram às em todos os 26 estados e no Distrito Federal para protestar contra os cortes de verbas que o governo fez nas universidades, institutos federais de ciência e tecnologia e ouras instituições de ensino. Ao invés buscar o diálogo, o presidente preferiu agredir verbalmente os estudantes e seu Ministro da Educação se portou de modo irresponsável e até debochado durante audiência realizada no mesmo dia na Câmara dos Deputados.
A situação do governo se agrava ainda mais com a revelação, por parte do Ministério Público Federal, de negócios suspeitos feitos pelo filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, que já é objetivo de investigações de uso irregular de recursos financeiros do mandato de deputado estadual que exerceu até o final do ano passado. As novas revelações levaram a quebra do sigilo bancário do senador ameaça revelar uma podridão que poderá atingir de modo irremediável o presidente da República eleito com um discurso de combate à corrupção.
Ao endossar um texto com nítido viés autoritário e até de ameaça golpista, Bolsonaro demonstra que sua incapacidade de governar, aliada ao pendor autoritário, vão se constituindo numa grave ameaça às instituições e à democracia. Estimulados pelo conduta do presidente, setores de extrema-direita que o apoiam convocaram manifestações para o dia 26 de maio tendo como alvo o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. A situação tende a se polarizar gravemente e as consequências para o Brasil e os brasileiros são imprevisíveis. O momento é de unir amplos segmentos políticos e sociais tendo como bandeira unificadora a defesa da democracia.
Por Inácio de Carvalho.